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Pesquisa - Agricultura não Criou a Vida Urbana


Agricultura não criou a vida urbana, diz pesquisa

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA E SAÚDE"

Depois de passar quase 200 mil anos vivendo em pequenos grupos nômades, os seres humanos (ou alguns deles, pelo menos) resolveram que era hora de assentar, criando vilas e cidades. A questão é: por quê?
Durante muito tempo, a resposta-padrão foi simples: por causa da invenção da agricultura. Ao descobrir maneiras de produzir alimentos em grande escala, certos povos que viveram a partir de uns 10 mil anos atrás desencadearam uma explosão populacional que foi resolvida com outra invenção, a da vida urbana.
Acontece que a sequência verdadeira pode ser exatamente a oposta, indicam dados arqueológicos que se acumularam nos últimos anos.
Editoria de arte/Folhapress
FÉRTIL
Ao menos no Crescente Fértil -a região que engloba países como Iraque, Israel, Turquia e Síria, considerada o berço da civilização ocidental-, as pessoas parecem ter primeiro se juntado em assentamentos densos e só depois -em parte como consequência da aglomeração- ter desenvolvido o plantio e a criação de animais.
"No Oriente Médio, o consenso é que essa foi a sequência", diz Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.
E o processo parece ter começado muito antes do momento em que a agricultura propriamente dita entra em cena. O exemplo mais extremo talvez seja o sítio arqueológico de Ohalo II, localizado na margem sudoeste do mar da Galileia, em Israel.
Há cerca de 25 mil anos, uma área de cerca de 2.300 m2 estava ocupada por cabanas. Restos de plantas -quase 150 espécies diferentes, entre as quais trigo e cevada selvagens- indicam que pessoas moravam ali o ano todo, o que sugere sedentarismo.
Conforme os milênios vão passando, sítios assim aparecem por todo o Crescente Fértil, com indícios de população cada vez maior. O número de espécies vegetais usadas se reduz -os preferidos passam a ser os cereais de sementes grandes e leguminosas, como as lentilhas.
Mas essas plantas continuam com suas características selvagens, o que indica que apenas estavam sendo coletadas mais intensivamente. Da mesma maneira, a caça consumida pelos grupos mais sedentários fica menos diversificada, concentrando-se em poucas espécies que se reproduzem rápido, como lebres, raposas e aves.
É só quando a intensificação de uso dos recursos "selvagens" chega ao limite que sinais claros de vegetais cultivados aparecem.
Qual teria sido, então, o gatilho para a formação das vilas densamente povoadas? Uma possibilidade, diz Góes Neves, é que elas fossem centros cerimoniais ou religiosos, que serviam de ponto de encontro para a população de toda uma região.
"O interessante dessa ideia é que ela foge do raciocínio economicista", diz. "A intensificação da produção de alimentos como cevada poderia ter uma função social, ritual: produzir cerveja", diz.
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